volúpia azul

31 agosto 2005

Fascinam-me os cheiros

Não pelos cheiros em si. Um cheiro é só um cheiro, bom ou mau. E não me refiro aos perfumes, tão cheios de si, nem sequer ao aroma de uma comida suculenta. Falo dos cheiros, mesmo.
Fascinam-me pelo facto de se alojarem no nosso cérebro, armazenando memórias silenciosas que pensamos esquecidas, sorrateiras à espera de um estímulo que as faça saltar num borbotão de recordações.
Assaltam-nos cheiros inesperados que nos arrastam repentinamente para lugares no espaço e no tempo, para bons e maus momentos, e até para momentos assim-assim, para sensações reconfortantes, assustadoras ou indiferenciadas.
E o que mais me fascina é a vividez desses assaltos, como se viajássemos literalmente na nossa história pessoal: reencontramos pessoas já longínquas – ou nem tanto – num perfume, dias, meses e estações do ano no odor da primeira terra molhada, a nossa infância no cheiro de uma pétala, um primeiro beijo num aroma de cabelos envolventes, o contacto com a morte entre o odor de velas e flores cansadas, uma simples tarde de sol no fumo de um charuto alheio, os tempos da escola na madeira das carteiras gastas por inúmeros anos lectivos...

E é enorme a ingerência dos cheiros na nossa memória colectiva, do homo sapiens sapiens e de todas as espécies dotadas de olfacto. Acumulamos informações olfactivas de perigo, de prazer, de alerta, de dor ao longo de milhares e milhares de anos. E assim continuamos.

Pergunto-me qual será o contributo do homem do século XX/XXI para a enciclopédia dos cheiros...