volúpia azul

31 agosto 2005

Fascinam-me os cheiros

Não pelos cheiros em si. Um cheiro é só um cheiro, bom ou mau. E não me refiro aos perfumes, tão cheios de si, nem sequer ao aroma de uma comida suculenta. Falo dos cheiros, mesmo.
Fascinam-me pelo facto de se alojarem no nosso cérebro, armazenando memórias silenciosas que pensamos esquecidas, sorrateiras à espera de um estímulo que as faça saltar num borbotão de recordações.
Assaltam-nos cheiros inesperados que nos arrastam repentinamente para lugares no espaço e no tempo, para bons e maus momentos, e até para momentos assim-assim, para sensações reconfortantes, assustadoras ou indiferenciadas.
E o que mais me fascina é a vividez desses assaltos, como se viajássemos literalmente na nossa história pessoal: reencontramos pessoas já longínquas – ou nem tanto – num perfume, dias, meses e estações do ano no odor da primeira terra molhada, a nossa infância no cheiro de uma pétala, um primeiro beijo num aroma de cabelos envolventes, o contacto com a morte entre o odor de velas e flores cansadas, uma simples tarde de sol no fumo de um charuto alheio, os tempos da escola na madeira das carteiras gastas por inúmeros anos lectivos...

E é enorme a ingerência dos cheiros na nossa memória colectiva, do homo sapiens sapiens e de todas as espécies dotadas de olfacto. Acumulamos informações olfactivas de perigo, de prazer, de alerta, de dor ao longo de milhares e milhares de anos. E assim continuamos.

Pergunto-me qual será o contributo do homem do século XX/XXI para a enciclopédia dos cheiros...

4 Comments:

  • E estes sensores fascinantes que levamos dentro das narinas são ainda responsáveis pelas delíciosas sensações que temos no palato! Cheiros e sabores entrelaçados.

    By Blogger sgs, at 01 setembro, 2005 19:33  

  • Um museu dos cheiros!Com a música acontece-me o mesmo!

    By Blogger ana ventura, at 01 setembro, 2005 21:09  

  • Ainda no dia 22 de Agosto, no post sobre a Feira de Alcobaça - no Arrumário, pois então - disse:
    "Lembro-me, como se fosse ontem, do cheiro das arcas de cereais e das adegas onde encontravamos estes instrumentos de caçar roedores. Há memórias que não se explicam."

    É verdade que de todas as memórias sensitivas, o olfato é a que menos aparenta esfumar-se com o tempo.

    Talvez a Humanidade não leve do século XX mais do que a memória do fumo. Estamos a deixar de respirar e consequentemente de cheirar.

    Um abraço.

    ZM

    By Blogger Zé Maria, at 07 setembro, 2005 09:47  

  • que curioso escrevi algo que tem algo haver com esse escrito, chamado um segundo, sobre sentidos em geral. Muito boa idéia de enciclopédias de cheiros, melhor ainda se tivessem link direto com a memória pois há vezes que é difícil resgatar e localizar a memória de algum cheiro, e fica aquele incômodo de deja vu desconhecido.

    By Blogger Fábia, at 25 março, 2006 02:01  

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